Não julgo quem sentir que ler Dostoiévski causa um certo desconforto. Não é que o texto seja hermético, nem que ele escreva palavras complicadas.
É outra coisa.
Um tipo de incômodo que aparece quando o livro não faz questão de te guiar pela mão.
Em outras palavras: o livro confia em você.
Você está ali, tentando entender por que um personagem age de determinada maneira — e não há nenhuma narração explicando que ele está com medo, com ciúmes, com culpa.
Só há a ação. Um gesto contido. Um pensamento entrecortado. Um olhar que não se sustenta.
Dostoiévski escreve assim: deixando espaços. E talvez seja por isso que ele pareça, à primeira vista, “difícil”.
Não porque seja incompreensível, mas porque exige uma escuta diferente. Um outro ritmo.
É como conversar com alguém que não se apressa para concluir uma ideia. Que faz pausas longas. Que muda de assunto e depois volta — e que te deixa com a sensação de que ali tem mais coisa, mesmo quando não está tudo dito.
A gente está acostumado a livros que já vêm com legenda: “essa personagem é forte”, “esse relacionamento é abusivo”, “essa história é sobre superação”. Quando aparece um autor que não explica, só mostra — a gente estranha. Mas também respira. Porque tem algo de muito bom em ser tratado como alguém capaz de perceber nuances.
Nos livros dele, os personagens não são estereótipos. São pessoas. E como pessoas, eles erram, repetem erro, falam o que não sentem, sentem o que não sabem nomear. Às vezes parecem incoerentes. Às vezes, são.
👉 Neste vídeo aqui, eu falo sobre como Dostoiévski escreve e por que essa “dificuldade” é, na verdade, um presente para quem lê com atenção.