Ficção é só distração?
Nem toda ficção precisa ser profunda – mas até o livro mais leve pode fazer a gente pensar
Tem dia em que a cabeça não colabora.
O noticiário é ruim, o humor é pior, e tudo o que a gente quer é um tempo fora de si. Então você pega um livro. De preferência leve. De preferência curto. De preferência com final feliz. Mas a ficção tem seus truques. Mesmo os romances feitos para entreter, de vez em quando, deixam escapar uma frase que cola. Um gesto que inquieta. Uma escolha que poderia ter sido sua.
Você entra na história achando que está escapando.
E de repente se pergunta: “por que isso me pegou tanto?”
Não é que o livro seja um tratado filosófico. Mas ele aciona alguma coisa.
Um eco. Um desconforto. Uma pergunta mal resolvida.
Nem toda ficção soca o estômago. Porém, toda boa ficção deixa uma marca — mesmo que discreta.
Por isso, essa ideia de que ficção é “só escapismo” não se sustenta. Ficção é forma de fuga, sim — mas também é forma de retorno. Ela nos afasta para que possamos nos ver de outro ângulo. E isso vale tanto para quem lê quanto para quem escreve.
Ao mesmo tempo, não acho que toda leitura precise virar ensaio. Tem livro que é descanso. Que é respiro. Que é só um copo d’água depois do calor. Mas até esse copo d’água, às vezes, tem gosto de alguma coisa.
No vídeo mais recente do meu canal eu falo sobre isso.
Sobre como a ficção entretém — mas também ensina.
Sobre como ela oferece fôlego — e também fundo.
E sobre por que a pergunta “ficção é fuga ou reflexão?” talvez esteja mal formulada desde o início.
Talvez a resposta seja: é os dois.
E talvez seja exatamente por isso que ela permanece necessária.