Nem todo livro difícil é bom. Mas os bons costumam ser difíceis.
Sim, dá pra criticar livros sem cair na armadilha do elitismo.
Tem livro difícil que é só difícil mesmo. Que você termina — ou abandona — com a sensação de que foi uma perda de tempo, uma armadilha de palavras pomposas que não dizem nada.
A boa notícia? Isso acontece com todo mundo.
A má notícia? Isso não significa que todo livro difícil seja ruim. E menos ainda que os livros bons precisam ser fáceis.
O problema é que a gente anda confundindo dificuldade com arrogância — e facilidade com qualidade. E não é bem por aí.
Vamos por partes.
A ilusão do “complexo = genial”
Muita gente cai nesse erro: se o livro é enigmático, truncado, com vocabulário arcaico ou frases de três páginas, então ele deve ser profundo. É como se a dificuldade funcionasse como um selo automático de qualidade. Mas isso não é critério — é preguiça crítica.
Pensa comigo: usar palavras difíceis, estruturas labirínticas e metáforas crípticas é fácil. Difícil mesmo é dizer algo significativo através disso tudo. É fazer o esforço valer. É quando, mesmo que a leitura exija, ela devolve. E você sente que saiu maior do que entrou.
Tem livro que dificulta o caminho… mas não te entrega o ouro no final. E tem livro que exige, sim, mas vai te dando pistas, sustância, provocações. Esses valem a pena.
O outro extremo: facilidade como virtude absoluta
Por outro lado, a gente tem uma leva de livros que parecem ter medo de exigir. Livros que se explicam demais, repetem ideias três vezes na mesma página, usam frases de efeito no lugar de pensamento. São livros que você lê em um dia… e esquece no outro.
Claro que há espaço pra leveza. Mas quando tudo vira “acessível” demais, a literatura começa a se parecer com story do Instagram: visualmente agradável, emocionalmente apelativo, cognitivamente raso.
A questão aqui é: você está lendo para confirmar o que já sabe? Ou está disposto a ser desafiado — ainda que seja só um pouquinho?
Nem difícil, nem fácil: o que é bom, é bom
O critério precisa ser outro: o livro constrói algo em você? Ele te obriga a reorganizar o pensamento, rever uma certeza, prestar atenção em detalhes que você nunca tinha considerado? Ele te provoca a pensar, mesmo que você discorde?
A dificuldade, nesse caso, não é um obstáculo: é o caminho. É como escalar uma trilha que exige fôlego, mas te entrega uma vista inédita lá no alto. Você pode cansar, claro. Mas também pode dizer: “valeu a pena”.
É assim com A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Com A Poética, de Aristóteles. Com Crime e Castigo, de Dostoiévski. Livros que não são “imediatos”, mas que vão te moldando por dentro à medida que você lê.
Como diferenciar um do outro?
Não existe uma fórmula, mas há pistas:
Se você termina o capítulo sem saber o que foi dito, desconfie.
Se você termina o capítulo com mais perguntas que respostas — mas boas perguntas —, insista.
Se você sente que o autor quer se mostrar mais do que comunicar, cuidado.
Se você sente que o autor está confiando na sua inteligência, aproveite.
E, claro: isso depende também de você. Do momento que você está, do repertório que carrega, do tipo de leitura que busca naquele instante. Livro difícil não é teste de QI. É exercício de tempo, atenção e presença.
Não desista antes de pensar
A maior perda em evitar todo livro que exige esforço é que, aos poucos, a gente vai perdendo o hábito do pensamento longo. Da leitura que não se resolve em um parágrafo. Da ideia que não cabe num tweet.
E isso afeta muito mais do que nossa leitura: afeta nossa forma de enxergar o mundo.
Então, da próxima vez que você se deparar com um livro difícil, pergunte: ele é difícil porque é mal escrito ou porque está te tirando do lugar comum?
Essa pergunta vale mais do que qualquer resenha na Amazon.
P.S.: fiz um vídeo no meu canal de YouTube onde comento os principais motivos pelos quais um livro pode parecer difícil e como distinguir entre o que é realmente complexo e o que só está mal embalado.
👉 Ou toque aqui. A ideia é descobrir por que, sim, vale a pena insistir em alguns livros difíceis.