O que Madame Bovary e um livro de produtividade têm em comum?
A semelhança é maior do que você imagina
À primeira vista, Madame Bovary e um manual de produtividade sobre Ultraaprendizado parecem habitar planetas diferentes. De um lado, uma mulher entediada no interior da França, afundada em fantasias românticas e frustrações domésticas. Do outro, um livro que promete te ensinar como aprender qualquer coisa em tempo recorde.
Um fala de desejo. O outro, de método. Um é pura estética. O outro, pura utilidade. Mas, para quem lê com atenção, os dois fazem a mesma pergunta: o que você vai fazer com isso?
Ler não é só passar os olhos pelas palavras. É se deixar afetar por elas.
Mesmo quando a intenção é aprender algo prático — como montar um plano de estudos —, existe uma camada subjetiva que escapa da instrução e entra no campo da experiência. Quando um livro te ensina algo, ele está, antes de tudo, te propondo uma forma de ver o mundo. E isso vale tanto para Ultraaprendizado, do Scott Young, quanto para o romance do Flaubert.
Em Ultraaprendizado, aprendemos a pensar o estudo como projeto. Há estratégia, esforço deliberado, organização. Mas, ao ler esse tipo de livro, é comum parar no meio e pensar: “Tá, mas isso serve para mim?” Ou melhor: “O que eu posso fazer com isso agora?”
Falei um pouco mais disso no vídeo aqui:
Às vezes, a resposta vem rápido na forma de um insight, uma técnica, um plano de ação. Outras vezes, ela demora. E tudo bem. Porque nem toda resposta é imediata. Às vezes, a gente precisa de tempo para transformar uma ideia em prática.
E o mesmo vale para a ficção. Quando Ema Bovary se pergunta por que o amor não é como nos livros, o leitor atento também se pergunta:
Por que eu espero que a vida seja como imaginei?
Por que me frustro quando as coisas reais não se parecem com os meus planos?
Por que… complete você a pergunta.
Aqui está o ponto: a ficção não é o oposto da prática.
Ela é uma forma mais sofisticada de prática — uma que treina o olhar, a escuta, a empatia. Que nos prepara, não para repetir uma técnica, mas para reconhecer quando uma escolha se repete. Quando um padrão se revela. Quando o desejo atrapalha a realidade, ou quando a expectativa distorce o presente.
Ler sobre Ema não vai te ensinar a montar um cronograma. Mas talvez te ajude a perceber por que você abandona tantos. Talvez te ajude a entender que não é só questão de disciplina, mas de desejo mal canalizado. De um impulso por novidade, por intensidade, por recompensa imediata — o mesmo que move Ema, de certo modo.
No fim, tanto um livro de produtividade quanto um romance clássico pedem o mesmo do leitor: atenção. Não só ao que está sendo dito, mas ao modo como isso ressoa em você. A diferença é que um entrega ferramentas. O outro, espelhos.
Ambos podem ser úteis. Desde que você esteja com os ouvidos atentos e pare para a escutar.