Com raízes nordestinas, portuguesas e judias, ele tem cara de turco. Não me lembro de tê-lo visto de outra maneira, senão de cabelos e bigode branco. Foi com ele que andei pela cidade de Salvador, reconhecendo-a em páginas de histórias e vendo que os personagens podem, sim, existir na vida real.
Jorge Amado considerava que o que escrevia não era literatura. Não porque realmente não fosse, mas, talvez, por não ter a pretensão de escrever bonito. Mesmo escrevendo. Entre palavrões e ao chamar uma vila de “Cu com Bunda”, ele escreveu sobre o povo baiano—suas mazelas, dores, cultura e amores. Ele era baiano e amava a Bahia. Algo que, hoje em dia, considero difícil por experiência própria.
Aprendeu a narrar histórias com sua mãe e acumulou conteúdo para elas com seu pai, ao ouvir histórias de jagunços e de tios. Na época em que vivia embrenhado com o pai pelas fazendas e feiras, o cacau era ouro. Em 1925, estava sendo comercializado numa bolsa de valores só para ele, a New York Cocoa Exchange. Nas brigas por território, seu pai quase morreu, e, a partir daí, sua mãe começou a dormir com uma espingarda ao lado do travesseiro.
Jorge era rebelde e, quando foi parar em um colégio de jesuítas, suas aparições na detenção eram frequentes. Prometia não repetir os erros, mas, num piscar de olhos, já estava lendo os proibidos. Devia a Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós muitas dessas detenções, pois eram considerados livros que levavam para o mau caminho. Se for assim, que bom que ele foi para o mau caminho.
Aos 15 anos, Jorge já caminhava sozinho pelas ruas de Salvador e escrevia para jornais. Não demorou muito para lançar seu primeiro livro, aos 19 anos: O País do Carnaval. É um romance que critica a intelectualidade brasileira a partir de um personagem que é um típico intelectual da porta para fora.1
Após o primeiro livro, vieram outros dois com forte influência comunista. Na época, essa ideia ganhava força no Brasil e vivia sendo publicada em jornais. Cacau e Suor refletiam sua militância. Cacau conta a história da tomada de consciência de um trabalhador rural na região cacaueira da Bahia. Suor retrata o cotidiano de moradores do Pelourinho—suas dificuldades, pobreza, miséria e condições de exploração. Me lembra O Cortiço, de Aluísio Azevedo.
Mas nem tudo são flores.
Durante o Estado Novo, ele foi perseguido, preso e exilado. Só não foi pior porque conhecia o sogro de Getúlio Vargas e era peixe pequeno. Disseram que nem teve participação na Intentona de 35. Isso garantiu sua liberdade naquele momento, mas foi preso outras vezes depois. Rebelde, como eu disse.
Em 1945, conheceu a mulher que seria o amor da sua vida. Sua companheira. Sua leitora. Zélia Gattai. Se conheceram em um desses compromissos comunistas em que Zélia, sem opções anarquistas, se juntou aos companheiros para construir o que acreditavam ser melhor para o Brasil.
Em 1948, o partido do qual fazia parte o enviou para denunciar as repressões políticas no Brasil. Passou o dia inteiro falando com gente, passou o Ano-Novo ao som de Caymmi e bebida alcoólica na Rússia, e voltou renovado para o Brasil.
Jorge escreveu. Viveu. Teve filhos. Deixou um legado. Foi traduzido em 49 países e vendeu mais de 80 milhões de livros no mundo.
O que eu quero dizer mesmo, se você leu até aqui, é que este homem rodou o mundo inteiro. Conheceu países, culturas e pessoas diferentes, mas, mesmo assim, decidiu escrever sobre a Bahia. A Bahia é o coração da obra de Jorge Amado. Itabuna, Ilhéus e Salvador são cenários vivos dentro de suas narrativas.
E o meu desejo é que ele seja lido e que a Bahia volte a ser bonita.
Obrigada, Jorge, por apresentar a Bahia!
Eu que inventei esse termo, eu acho. É para me referir àquelas pessoas que só são inteligentes porque gravaram 10 ou 20 frases de alguns intelectuais, mas não sabem nada além disso.