Por que livros ruins vendem tanto?
Uma história rasa, um marketing esperto, e pronto: um best-seller.
Tem gente que tenta responder isso com um suspiro: “ah, o mundo está perdido”. Tem gente que culpa o leitor. E tem quem diga que não existe isso de “livro ruim”, que tudo é questão de gosto.
Mas a pergunta continua ecoando: por que livros mal escritos, com personagens frágeis, tramas frouxas e linguagem empobrecida vendem tanto — e continuam sendo celebrados?
A resposta passa por vários caminhos: mercado, algoritmo, tempo, vaidade. Mas talvez o mais incômodo deles seja outro: a leitura, hoje, virou também uma performance.
O livro como produto de impacto rápido
Antes de qualquer coisa: não é pecado gostar de best-seller. Você pode gostar de Crepúsculo e de Tolstói. De Colin Hoover e de Dostoiévski. Não é sobre fazer uma patrulha do gosto — é sobre entender o que está sendo vendido como literatura. E por quê.
Muitos dos títulos que dominam listas de mais vendidos têm algo em comum: são livros pensados para virar frases de efeito. Diálogos que rendem print. Cenas que parecem feitas para o TikTok. Ganchos emocionais imediatos. Nenhuma complexidade de linguagem. Nenhuma exigência de interpretação.
É uma escrita construída para impactar, não para reverberar.
E quando um livro se molda inteiramente ao ritmo das redes, ele precisa ser ágil, emocional, carregado de drama e facilmente compartilhável.
Mas o problema não é ser acessível. O problema é ser raso.
Narrativas formatadas, personagens descartáveis
Em muitos best-sellers, o leitor não é tratado como cúmplice — mas como alguém que precisa ser guiado pela mão, o tempo inteiro.
O personagem já aparece com três adjetivos de cara.
Forte. Sensível. Corajosa.
E o resto do livro é o autor tentando provar aquilo que já afirmou — como se o leitor não fosse capaz de perceber por conta própria.
Repito essa ideia nesta newsletter sobre Anna Kariênina
A personagem que ninguém descreve, mas todo mundo reconhece
Você sabe que está diante de uma grande personagem quando, depois de cem páginas, ainda não consegue descrevê-la em uma frase — mas sabe exatamente quem ela é. Sente que poderia reconhecê-la se a visse num café. Sabe como ela se sentaria. O que observaria. O que esconderia.
Não há espaço para construção.
O personagem não se revela por ações, contradições, silêncios. Ele é anunciado. Rotulado. Carimbado.
A narrativa não sugere. Explica. Reexplica. Sublinha.
Tudo é entregue mastigado, pronto para o consumo — como se o leitor não suportasse a ambiguidade, o subentendido, a lacuna.
O enredo, por sua vez, se organiza em torno de gatilhos fáceis: trauma, romance, briga, reconciliação. Não há tempo para respirar, nem margem para interpretar. O livro não quer que você pense. Quer que você sinta — e vire a página.
O resultado é um texto que não desafia. Não propõe. Só confirma o que você já sabia. Porque, no fundo, o autor não confia em você. Não acha que você dá conta de montar o quebra-cabeça. Então ele entrega tudo pronto.
Só que literatura que se explica o tempo todo... não dura.
A lógica da validação
Muita gente lê hoje com uma câmera imaginária ligada. A leitura virou parte do branding pessoal.
Você posta a capa do livro, marca que está na metade, solta um comentário que provoque engajamento e, claro, a avaliação de 1 a 5.
A leitura vira imagem. Opinião vira moeda social. E, nesse cenário, o livro mais lido nem sempre é o mais marcante. É o mais comentável.
E o mercado entendeu isso.
Editoras passaram a escolher livros não só pelo conteúdo, mas pelo potencial de virar tendência. Livros que já vêm com uma fanbase. Que têm cara de adaptação para série. Que podem ser resenhados em um vídeo de 30 segundos. A obra não precisa ser boa. Precisa gerar barulho.
Mas o que é “bom”, afinal?
“Bom”, aqui, não é sinônimo de difícil. Nem de clássico. Um livro pode ser bom sendo leve. Pode ser bom sendo simples.
Clarice Lispector é boa. Mas Extraordinário, da R. J. Palacio, também é. Machado de Assis é bom. Mas O Pequeno Príncipe também é.
O que torna um livro bom não é a fama, nem o tema. É a construção. É a coerência interna. A consistência emocional. A honestidade na escrita. O espaço que ele oferece ao leitor para pensar, sentir, interpretar. Um livro pode ser direto sem ser raso. Pode ser acessível sem ser medíocre Mas quando a prioridade vira “bombar no TikTok”, muita coisa se perde. O livro não precisa ser lido — precisa ser vendido.
Acredito que há um risco sério quando a leitura vira só performance. A gente para de buscar o que nos transforma — e começa a procurar o que nos enfeita.
E quem escreve também sente isso. Sente que precisa produzir uma história com reviravoltas a cada capítulo. Que precisa criar personagens que cabem em camiseta. Que precisa terminar o livro com uma moral bem explícita — de preferência, sublinhada.
Mas a literatura nunca foi feita para ser consumida assim. Ela não quer a sua pressa. Não se adapta ao seu feed. Ela pede tempo. Exige pausa. E, acima de tudo, confia no leitor.
Porque um bom livro não te serve respostas. Ele te devolve perguntas. E talvez, por isso mesmo, venda menos.
Mas permanece.